Fotos do carnaval de
Salvador 2013.-
O Carnaval da Bahia é a maior festa
urbana do Brasil, criada e mantida pelo povo. Uma manifestação
espontânea, criadora, livre, pura, onde todos são—com maior ou menor
competência—sambistas, frevistas, loucos dançarinos, na emoção suada
atrás do som estridente, eletrizante, do trio. Ou no ritmo calmo, forte,
tranqüilizante, orientalizado, do afoxé, incorporado num só movimento.
Um ato de entrega, de transe e êxtase, de liberação de todas as tensões
reprimidas e da envolvência absoluta entre o real e o fantástico, capaz
de, num único e frenético impulso, balançar o chão da praça.
Na Bahia, são cinco dias de folia, que
começa na sexta-feira, quando o Rei Momo recebe, em praça pública, as
chaves simbólicas da cidade, depois de desfilar, em carro aberto, com a
rainha e princesas, pelas ruas centrais da cidade. A ordem de "alegria
geral" do Rei é cumprida literalmente e o delírio começa quando aparece
ao longe, descendo a ladeira no sentido da praça Castro Alves, o
primeiro trio elétrico. A impressão que se tem é que todas as cabeças do
mundo avançam em volta do objeto luminoso e o povo se deixa possuir pelo
som eletrico do dono da rua, o maior símbolo desse_Carnaval.
O trio e a praça Castro Alves são o
Carnaval. A praça é o maior momento do trio, o território livre, o
clímax. Se o trio pode tudo, na praça tudo é possível. A história do
trio é bem anterior, apesar da praça já existir. Mas não se transavam.
Foi o poeta Caetano Veloso que redimensionou o som do trio, e do próprio
Carnaval, a invenção do diabo que Deus abençoou, e determinou: "A praça
Castro Alves é do povo, como o céu é do avião." Caetano queria "um frevo
novo" e teve mais que isso: uma praçadepúblicoheterogêneo,do gay power,
artistas, intelectuais e do povo, os reais tietes do som do trio
elétrico.
SENTIMENTO DA BAHÍA
Mas o trio não pertence à praça, nem é
exclusivo do seu público. A concretude do seu som faz o Carnaval que
envolve toda a cidade: a Barra—início da orla marítima—até a Praça da
Sé—no Centro Histórico de Salvador—além dos bairros que mantêm com
peculiaridade própria a sua festa. Tecnicamente, o trio elétrico é
somente som e luz sobre uma base física que o viabiliza (e que inclui
algo tão prosaico como um caminhão). Tem quem afirme que a multidão que
ele arrasta é apenas uma turba enlouquecida que se envolve de corpo e
alma na dança frenética, no agitar de braços e pernas, em pulos que
respondem o ritmo do trio. Mas quem já foi atrás do trio elétrico sabe
que não é nada disso e entende porque ele é a síntese do Carnaval da
Bahia, ou, mais ainda, porque ele diz de um sentimento da Bahia.
Foi em 1938 que surgiu a idéia do trio
elétrico, quando Dodô (Adolfo Nascimento), radiotécnico e músico, e
Osmar (Osmar Macedo), inventor e músico, se conheceram tocando em
programada rádio, ao lado de Dorival Caymmi, entre outros nomes já
famosos da época. Dodô, estudioso de eletrônica, pesquisava uma forma de
amplificar o som dos instrumentos de corda, o que só conseguiu em 1948,
com o aperfeiçoamento do violão maciço, que eliminava a dissonância e a
distorção, principais problemas dos violões elétricos conhecidos. Em
1950, pela primeira vez, a eletricidade incorporou-se ao Carnaval
baiano.
Inspirados pelo Vassourinhas—Academia de
Frevo do Recife—que, de passagem para o Rio de Janeiro, se apresentou em
Salvador, Dodô e Osmar resolveram sair durante o Carnaval, tocando
aqueles frevos pernambucanos, com seus instrumentos e amplificadores.
Assim, em cima de um fubica—um Ford 1949—equipado com dois
alto-falantes, eles se apresentaram nas ruas da cidade, como a dupla
elétrica. Foi um sucesso, mas havia resistências, principalmente da
classe média que não gostava da "molecada" que ia atras da dupla.
Mas Dodô e Osmar não desistiram. No ano
seguinte 1951, melhoraram sensivelmente a qualidade do som e, com o
surgimento de um terceiro músico, Temistocles Aragão,formava-se o trio
elétrico. Em 1952, um fato novo: a empresa Fratelli Vita (fabricante de
refrigerantes e cristais), percebendo o sucesso e a popularidade do
conjunto, resolveu patrocinar o trio, colocando-o num caminhão
festivamente decorado. O êxito foi estrondoso e o trio acabaria tempos
mais tarde sendo definitivamente glorificado pelo então tropicalista
Caetano Veloso: "Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu."
LÁ VEM O TRÍO
O trio elétrico de Dodô e Osmar fez
escola. Dodô morreu e está ausente do Carnaval desde 1979, sendo
substituído por Armandinho, filho de Osmar, que sempre afirma que quando
morrer quer ser levado por todos os trios no "cortejo fúnebre mais
alegre que já se viu". A mesma busca de perfeição acompanha o trio
elétrico Tapajós, há mais de 20 anos animando o Carnaval baiano, sendo
que, ao longo desse tempo, já conquistou dois tricampeonatos. O trio
Tapajós surgiu em 1959, no subúrbio de Periperi,ele surgiu em 62 quando,
pela primeira vez, foi ao centro da cidade. Hoje, ele é uma empresa.
Mantém cinco carros sendo que apenas um permanece em Salvador e os
outros vão para o sul do País.
Durante esse período surgiram outros
trios: Marajós, Tupinambás, Saborosa, Ypiranga, 5 Irmãos e, já há alguns
anos, vem merecendo destaque o trio elétrico do ex-conjunto musical
Novos Baianos que todo Carnaval reúne os seus antigos integrantes, Pepeu
Gomes, Baby, Paulinho Bocade Cantor, e sai no maior auê agitando esse
Carnaval, sem tempo nem hora, com todo o espaço e muita pauleira. Todos
esses trios fazem o Carnaval da cidade, circulando e puxando a multidão,
que quer pular independente de qualquer integração a blocos ou outras
entidades carnavalescas.
Foram criados, também, os trios détricos
(e mini-trios) que saem ligados a blocos e cordões. $ão verdadeiros
palcos instalados sobre grandes caminhões, com excelente capacidade de
sonorização, luz, cor e efeitos especiais. Destacam-se os dos blocos
Eva, Trás os Montes, Cheiro de Amor Camaleão, Pinel, com suas bandas
possantes, que enlouquecem não apenas os integrantes do bloco mas os
foliões de uma maneira geral, que são obrigados a se contentar em pular
fora do espaço fisico ocupado pelo bloco, geralmente garantido através
de uma corda de isolamento mantida por seguranças especiais.
MANDA DESCER...
"Omolu, Ogum, Oxum, Oxumaré, Todo o
pessoal, Manda descerpra ver, "filhos de Ghandi". (Gilberto Gil). Nada é
comparável a quem vem de um trio elétrico, suor escorrendo pelo corpo, a
carne exposta, o corpo aberto e bate de frente com um afoxé, naquela
atitude pastoral, fechada, enchendo a rua com a sua força. "Dá vontade
de chorar, você sente aquela calma, aquele arrepio percorrendo o corpo,
aquela força tomando conta de você. Esse é o lado espiritual,
orientalizado do Carnaval, o equilíbrio", como afirma o cantor e
compositor Gilberto, o mais célebre integrante do afoxé Filhos de
Ghandi.
O afoxé, explica o professor e
historiador Cid Teixeira, é um bloco carnavalesco, uma brincadeira de
forma, conteúdo e comportamento específico tendo em vista que os seus
membros foliões estão vinculados a um terreiro de candomblé, unidos por
uma religião, pelo uso de uma língua, dança, ritmos e códigos de origem
nagô. Além disso, tem, fundamentalmente, consciência de grupo,
comunidade de valores e hábitos que o distingue de qualquer outro tipo
de bloco ou cordão. Os laços lúdicos religiosos que congregam as pessoas
no afoxé importam, antes de mais nada, pela manutenção de valores
culturais ligados ao afoxé e suas tradições africanas, transportadas
para a Bahia, adaptadas e assimiladas dentro de uma nova realidade.
Atualmente, entre todos, Filhos de Gandhi
é o mais famoso. Com sua roupa branca, seu turbante felpudo, na sua
maioria é composto por negros, homens de origem humilde, operários,
ligados aos inúmeros terreiros de candomblé da Bahia. Mas o primeiro
grupo de afoxé saiu às ruas em 1895 e mostrava aos foliões de Salvador
as pectos dos ritos do candomblé. A partir dessa época surgiram muitos
outros vindos dos bairros de Brot,as, Engenho Velho, Soledade, Santana e
Aguade Meninos, destacando-sea Chegada Africana e os Filhos da Africa
como os mais representativos. O Clube de Pândegos da África, surgido em
1897, fez também muito sucesso.
FORÇA E NEGRITUDE
Mas o Carnaval da Bahia é ainda rico pela
força de outras manifestações culturais, como são os blocos afro,
cadaano em quantidade maior e alguns, já conhecidos nacionalmente, como
é o caso do llê Aiyê. Outros estão crescendo e criando fama, a exemplo
do Malê Debalê, do Araketu, ObáLaiyê e Puxada Carnavalesca Axé. A força
desses blocos está na cultura negra, na beleza e plasticidade de suas
sambistas, na própria fantasia e na alegria dos se,us temas, sempre
homenageando a "mãe Africa", e na harmonia de suas baterias, puxadas,
geralmente, por ágeis mãos negras, no som sincopado dos atabaques.
Culturalmente, eles representam a força viva da negritude na Bahia e o
Carnaval é a forma mais pungente de fazer ecoar o seu grito de
liberdade.
Outros blocos e cordões fazem do Carnaval
uma festa que Ihes permite mostrar a sua força e união. Nesse caso,
destaca-se o Apaches do Tororó, com mais de mil homens empunhando
machados e cânticos de amor contra a guerra, na categoria de blocos
índios. Existem outros: Cacique do Garcia, Comanches, Guaranys e Tupys.
Todos representam segmentos de uma camada mais baixa da população e, por
isso mesmo, são de uma alegria contagiante, de um samba forte,
autêntico, com suas negras e mulatas sambando no pé, de tangas,
missangas e colares.
Esfuziantes e descompromissados—a não ser
com o direito de brincar—estão os outros cordões e blocos formados por
jovens da classe média. Existem os que sempre se apresentam com
fantasias sofisticadas (Os Internacionais, Corujas, Lord's) e os que
preferem a simplicidade e o comodismo de mortalhas ou macacões (Trás os
Montes, Cheiro de Amor, Eva, Camaleão, Jacu, Filhos do Barão). Há ainda
os que, ferindo os padrões normais, desfilam tra vestidos de mulheres,
homenageando algumas minorias, as prostitutas e os travestis e dando ao
Carnaval a irreverência e humor indispensáveis.
CONQUISTA DO POVO
Importado através do Entrudo, uma festa
portuguesa de uma violência inconseqüente, acapadoçada, sem ritmo e sem
riso, diz a história, o Carnaval da Bahia criou a sua própria maneira de
ser, bem diferente das origens herdadas. Verdade que nas últimas décadas
do século passado não era assim. Era um Carnaval elitista, feito para a
classe média, com desfile das Sociedades Carnavalescas Fantoches da
Euterpe e Cruz Vermelha (Cruzeiro da Vitória), as principais, seguidas
do Inocentes em Progresso e Democrata. Copiando o que acontecia na
Europa, essas entidades saíam pelas ruas centrais de Salvador, com
carros alegóricos, rainhas e princesas, além das alas dos cavaleiros,
uniformizados como soldados e oficiais romanos, destacando-se o arauto.
Na década de 40, o povo não participava
desse tipo de Carnaval-espetáculo. No máximo, surgiam de vez em quando
em áreas da avenida Sete de Setembro, São Pedro, Piedade e Mercês,
jamais chegando ao Campo Grande locais nobres da cidade) as batucadas,
os bandos de índios, os tímidos afoxés (grupos de homens com seu ritmo
lento, com suas máscaras de traços africanos, alguns recobertos de
palhas de coqueiros, usando apenas instrumentos de percussão, os pés
calosos, agora no asfalto). O povo se divertia em áreas delimitadas:
Baixa dos Sapateiros (onde se concentra o Comércio mais popular de
Salvador) e Terreiro de Jesus (que integra o Centro Histórico da
cidade). Aos poucos, porém, as camadas populares foram ocupando espaços
na Sé, Praça Municipal, rua Chile, alcançando a praça Castro Alves,
locais onde a festa acontece com toda a força por ser o Centro de
Salvador, fazendo o verdadeiro Carnaval da Bahia que acontece hoje.
A pagã Carnen Lévare (abstinência da
came, data que designava a véspera de Quarta-feira de Cinzas), herança
dos bacanais, lupercais e saturnais romanos, aqui se realiza através da
espontaneidade popular, orientada pelos organismos governamentais que
atuam respeitando a vontade do povo. O Carnaval da Bahia, na verdade,
começa quando o sol de amarelo Oxum brilha no céu, anunciando a festa do
verão baiano, com muito samba, festa de largo, a partir do dia maior,
Santa Bárbara, Iansã, no sincretismo religioso, senhora das nuvens de
chumbo, deusa dos relâmpagos, rainha dos raios e das tempestades, que
segura o tempo até o Carnaval chegar.
Os Bonecos de Olinda
No Carnaval de Pernambuco, sobretudo na
cidade de Olinda, existe um grupo que difere das tradicionais troças,
dos Blocos e dos Clubes de Frevo, sem prejuízo na sua função alegre e
animadora. São os Clubes de alegorias e críticas ou "Clubes de Bonecos",
como popularmente são conhecidos. Suas origens confundem-se com as
influências das diversas manifestações culturais que provocaram o
aparecimento do entrudo lusitano, aportado aqui através do colonizador
europeu, e, mais tarde, transformado no carnaval que hoje se apresenta
colorido, animado, contagiante.
As alegorias presentes nos clubes de bo
necos de Olinda apresentam duas particularidades etnológicas na sua
formação: a máscara e o gigante. A história registra, em quase todas as
culturas conhecidas, o emprego de máscaras durante cerimônias
religiosas, folguedos de plantio e colheita e na representação das artes
cênicas. Na Africa ela tinha função mística e terrífica . No Brasil era
generalizado o seu uso entre indígenas, embora não tenha alcançado
popularidade entre os colonizadores.
Em Olinda aconteceu a identificação
dessas influências culturais com o espírito carnavalesco do povo. Em
1932 foliões liderados por Benedito Bernardino da Silva fundaram o Clube
de Alegoria e Crítica, "Homem da Meia-noite", onde a principal figura é
um boneco com 3,5 metros de altura, confeccionado pelo milenar processo
do "papier maché." Por sair à zero hora do sábado gordo, a agremiação
alcançou a tradicionalidade de abrir oficialmente o carnaval olindense,
onde uma multidão aguarda ansiosamente pelo início do desfile que
percorre as ruas e ladeiras seculares da cidade. Ao contrário dos outros
grupos, os clubes de bonecos não possuem bandeira ou estandarte. A única
e principal alegoria é o boneco transformado na identidade inconfundível
do grupo, que também se caracteriza pela ausência de fantasias, paetês,
missangas e lantejoulas. Outra particularidade do Homem da Meia noite é
a indumentária dos componentes das agremiações, apenas uma camisa de
fibra de algodão com o nome do clube e o ano do desfile estampados no
peito. O ponto alto desses grupos são as orquestras com que se
apresentam. Logo observa-se que não se trata de um folguedo para se ver
mas, principalmente, e, por excelência, para se acompanhar, dançar o
frevo, participar de uma alegria incomparável. No entanto, não é só
durante o período carnavalesco que os bonecos vão as ruas. Nos
movimentos políticos, nas comemorações de aniversário da cidade e,
eventualmente, em solenidades especiais há a oportunidade de se conviver
com a alegria transbordante dos clubes de alegorias e críticas ou os
bonecos de Olinda.
Fonte: vivabrazil.com |